quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Memória relatada da ditadura militar: quem quereria ouvir canalhas?

O lírico relato a seguir foi-me brindado, via email, por Paulo de Tarso Correa, grande amigo que conheci pelo Twitter, durante o segundo turno das últimas eleições presidenciais, quando,  na grande mídia e na internet, vieram à tona apelos fascistoides da extrema-direita, que tantos malefícios já causou ao nosso país, com o apoio cego de setores conservadores e/ou alienados da classe média. Impuseram-nos um regime militar que dilapidou o patrimônio público e mergulhou-nos num mar de terrores silenciados, nos anos de 1964 a 1984.

Quem usa a rede social Twitter sabe que lá cada tweet (postagem) deve conter no máximo 140 caracteres, daí o Paulo referir-se a isso em seu emocionado e forte depoimento sobre reminiscências do que vivenciou nos tristes anos da ditadura militar brasileira, quando era um colegial.

Dedo duro! haha

Bem, vamos lá vovolescente Sonia,

Já estou no dia 2, porque o dia 1º foi pra ver Lula e Dilma! Enquanto escrevo para você, tomo uma Budweiser. Claro, adoro engolir os americanos, para depois soltá-los no vaso sanitário!

Mas vamos ao que interessa, até achei que não conseguiria em 140 toques... Como tenho um estilo meio poético e sou velhinho, gosto de falar muito, dá uma baita impressão de que ainda estou vivo, por isso esse preâmbulo necessário. kkkkkkkkkk

Sou  um cara não muito religioso, mas acredito muito no meu santo protetor, Jesus. Notou que estou te enrolando... rsrsrsrs

Bom, a coisa mais marcante da época da ditadura, para mim, aconteceu quando eu fazia o colegial - hoje não existe mais - e me lembro bem: um revólver na cara, com policial ameaçando me matar quando da invasão do CEMAB, em BSB. Olhe que nem estudava lá. Fui apenas acompanhar minha irmã. Fazia isso sempre.

Nos idos de 66 a 70 estudava no Elefante Branco, também em BSB. Morei lá de 1963 a 1975, e, naquela época, os chamados cursinhos pré-vestibulares ainda estavam no início e por isso não eram tão famosos. Nós, do ensino médio público, éramos favoritos no vestibular.

Lembro que muitos militares moravam em BSB, a ditadura estava imposta, mas éramos estudantes esclarecidos e tínhamos conhecimento do que podíamos falar e escrever publicamente e o que deveríamos fazer na “encolha”. Não éramos tão bobos assim, sabíamos que, de vez em quando, alguém desaparecia, principalmente professores.

Depois de alguns desaparecimentos, começamos a controlar o que acontecia e verificar quem estudava com a gente. Descobrimos que vários filhos de militares estudavam com a gente, e passamos a ver qual tipo de conversa tinham. Comunicamos isso ao diretor, pessoa de nossa confiança, e ele ficou de nos passar a mensagem da secretaria de educação “recomendando” a saída de professores.

Lembro que uma professora de Moral e Cívica resolveu falar sobre educação sexual com a gente. Prestamos atenção nos filhos de milicos e vimos constrangimento, reclamações. Semana seguinte, cadê a professora? Perdemos a matéria. Foi-nos informado que não haveria mais necessidade daquela matéria, estávamos passados, com notas boas...

Procuramos nosso amigo diretor e ele nos repassou que houve reclamações de alunos sobre a questão sexual nas salas de aula.

Agora a parte da história quanto a qual eu considero estar em dívida até hoje. Claro, na época, não tinha força e nem tenho até hoje para esclarecer os fatos, mas acho que estamos devendo, todos os alunos do Elefante Branco. Carrego o peso na consciência de não poder ter feito nada, por isso gostaria muito de saber o que aconteceu a ele, nosso diretor.

Sabe Sonia, sei que não sou porra nenhuma neste mundo, valho menos que um átomo... Mas tenho consciência... E o mais duro de tudo é ter consciência, saber que aconteceu, saber que estávamos lá, saber que não tínhamos força para impedir... E nisso vai o apego à vida, jovens sem maturidade suficiente para a luta.

Estou sendo contraditório, porque sabíamos o que estava acontecendo, poderíamos gritar, sim! Mas quem quereria nos ouvir?

Que merda nos aconteceu! Passamos a juventude calados e amordaçados por falta de coragem e hoje temos um país com tantos preconceitos e racismo. Ou seja, somos culpados, pois deixamos que eles se difundissem.

Mas, vamos ao que interessa: nosso diretor.  Não lembro mais o nome dele... Quem era o diretor do Elefante Branco nos idos de 66 a 70? Alguém saberia me informar?

 Não devia ter cutucado o assunto.  Chorei e estou fumando enquanto escrevo essas linhas para você. Não é fácil... Só a vontade da Dilma para perdoar... E olha que não passei um milésimo do que ela passou...

Tínhamos um grande espaço vazio no Elefante Branco, e era sonho do diretor construir ali nossa área de educação física, desportos, com piscina, estádio de futebol, área de judô. O homem já pensava no nosso futuro como desportistas. Solicitou a verba ao Ministério da Educação e não conseguiu. Teve, então, a ideia pegar o equivalente, na época, a cerca de cinco reais de cada aluno e fazer a construção.

Objeções só houve por parte dos filhos dos milicos. Cooperamos.  A construção foi realizada. Na data de inauguração, todos nós preparados para o evento, recebemos, porém, a notícia de que o diretor não viria mais e que tudo o que foi construído passaria a pertencer ao GDF, sendo desmembrada essa área do Elefante Branco.

Terminei meus estudos naquele centro, vendo várias pessoas usarem aquele centro de desportos construído para nós, com nosso mísero dinheiro, roubado de nós pelos militares, por seus filhos que só colaboraram no sumiço de professores.

Descobrimos, depois, que não eram só os filhos de militares que estavam nos vigiando. Havia policiais novos, recém-admitidos, no meio da gente. Canalhas que devem ter a mesma idade que eu tenho hoje. Quando descobríamos um destes, era até muito engraçado. Dávamos gelo direto, e o cara desaparecia do colégio.

Agora sorrio um pouco. Não guardo na memória esses FDP, mas os professores que deixei de ver ainda lembro, menos seus nomes. Deve ser uma coisa de meu santo protetor...

Meu sonho: saber onde foi parar aquele nosso diretor, meu professor de Biologia, minha professora de Moral e Cívica.

Bom, Sonia, não sei se o que contei tem alguma valia, mas você me ajudou bastante. Soltei algumas coisas engasgadas. Não sei, acho que os guris e gurias de 64, adolescentes  de 70, têm muita coisa para contar, mas não sabem como... É muito difícil.

My teacher, por favor corrija os erros de português, sempre tive nota ruim nessa matéria. Ah, se precisar de alguma história de milagre também tenho. Sou um veinho conversador. Bêbado, então, conto até minhas infidelidades em 36 anos de casado.kkkkkkkkk

Mais uma coisa: militar daquela época era muito tapado. Certa vez, quando eu passeava com minha família, paramos numa blitz do exército. Tinha muito disso naquela época. Perguntam meu nome.  
- Paulo de Tarso Correa, respondi.
- Você é parente do Paulo de Tarso, ministro?! perguntou o soldado.
- Ele é meu filho, tem o nome do apóstolo Paulo, disse minha mãe.
- Liberados, podem passar! anunciou o soldado.

Aí, moça, acho que deu mais de 140 toques.rsrsrs Tô mais feliz, desabafei mais um pouco...

Eu, canalha por natureza!

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu sou colega de trabalho desse cara aí, o tal de Paulo de Tarso, mais conhecido como Paulinho Pitbull, agora aposentado. Ele é um lutador. Ass: Macaquinho do CAIXOTE®